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Adote um profissional da ponta


Vim te fazer um convite! :) ADOTE UM PROFISSIONAL DA PONTA. Não sabe como? Pergunte a um. Qualquer um. Atendentes, entregadores, profissionais da saúde. Mantendo as medidas de proteção para ambos, seja gentil, sorria com os olhos se estiveres de máscara. Isso já ajuda muito, pois essas pessoas estão nas suas rotinas escutando queixas, opiniões políticas inapropriadas, discursos de ódio tanto de um lado quanto de outro (elas não têm a opção “bloquear cliente”, “bloquear paciente”), vendo a maioria das pessoas em isolamento e quando chegam em casa, precisam ainda ser fortes e positivos com seus familiares que contam as horas para recebê-los e normalmente estão preocupados e vezes sem conta os pressionando para não irem trabalhar. Converse um pouco, disponibilize seu número de telefone para escutar, se sentires que podes fazer isso. Só conversar. Isso já acolhe muito. Se puderes fazer mais, se és profissional que estás direcionando ações voltadas ao público que está em casa, veja se há tempo livre para mandar o link, ou indicar para equipes de saúde que podes fazer algum trabalho direcionado a eles. Direcione seu conteúdo para os familiares de trabalhadores da ponta também. Pergunte ou procure saber como pode ajudar. Vale também contato com os empregadores, o próprio supermercado, a farmácia, o posto de gasolina. Pergunte se há algo que possas fazer. Recentemente recebi um pedido de apoio de hospital: direcionado para voluntários que tenham máquina de costura para confeccionar máscaras. Virão pedidos, mas não precisamos aguardar. Se puderes, se já te sentes adaptado na rotina e tens um tempo livre, ofereça no mínimo gentileza e acreditem, assim como álcool gel, gentileza está em falta, não precisa de contato físico e contribui com a imunidade de todos nós. Agora, pensar em falar com um profissional da ponta te deixa preocupado? Cuida de ti primeiro! Esta é a melhor escolha a fazer e peça ajuda, procure conversar e expor o que sente a amigos e familiares, leia sobre isso, procure um profissional se te sentires melhor, mas não fique sozinho! Está feito o convite! Queres ler mais um pouquinho? Aqui vou falar sobre o medo ser uma emoção importante, nem boa, nem ruim e todos nós estamos aprendendo muito sobre isso e estamos achando a via da confiança todos os dias. Você já percebeu o quanto fomos rápidos para buscar adaptação a uma rotina de distanciamento físico? Não sem trabalho, nem sem alguma chateação. Mudamos talvez convencidos de um risco, talvez sem intenção de mudar. Fomos mudados. Não foi um convite, mas uma necessidade. Os primeiros dias de adaptação nos trouxeram desconforto. Imediatamente passada a adaptação, notem como foi possível começarmos a pensar no todo. Naturalmente e de modo salutar! Sempre, primeiro o cuidado de si, depois o cuidado aos demais. Num primeiro momento foi o medo que nos mobilizou. Passada a organização, a adaptação, hoje apenas realizamos os cuidados previstos e isso se deve ao fato de cada um ter lidado com sua emoção. Neste momento a maioria das pessoas que vivem a oportunidade de isolamento estando “fora” do grupo de risco, seja por poder trabalhar em casa de alguma forma, ou por apostar na sua reserva financeira, pode perceber e se sensibilizar inicialmente pela exposição de médicos e enfermeiros, atualmente entendendo também o risco de quem trabalha em segurança pública, atendimento em farmácias e supermercados, postos de gasolina, serviços de entrega. Vou te contar uma história: eu tenho uma amiga enfermeira. Uma não, várias. Também técnicas de enfermagem, médicas e médicos, agentes comunitários de saúde, serventes de unidades, serventes de limpeza urbana, amigos motoristas de aplicativo, amigos da Guarda Municipal, amiga que trabalha na manutenção e suprimento para população que vive em regime de abrigo, uma amiga que trabalha na construção civil do prédio da Santa Casa. Recentemente fiquei amiga de uma pessoa que já me atendia há muito tempo no posto de gasolina, mas nunca tinha perguntado seu nome. Mas que rede de amigos é essa?! Trabalhei 6 anos com saúde do trabalhador. E sobre isso, tenho certeza: Eles estão protegidos com algum equipamento de segurança, além de alguns terem acesso a artigos de luxo como máscaras e álcool em gel que tanto sentimos falta nas nossas rotinas. No entanto, todas elas e todos eles precisam de mais do que isso. Como nós, sentem receio eventualmente, mas diferente de nós precisam lidar com o nosso receio e com o deles mesmos, também com o de seus familiares. Haja saúde! Uma dessas amigas, enfermeira, me pediu auxílio para que pudesse ajudar a pensar a levar algo para sua reunião de equipe. Uma equipe de Estratégia de Saúde da Família (ESF) – uma enfermeira, uma médica, 2 técnicas de enfermagem, 5 agentes comunitários de saúde e uma profissional de limpeza (tem também um recepcionista, mas este já foi colocado em isolamento). A ela cabe a gestão dessa equipe. Certamente a coisa mais fácil é reorganizar a rotina, substituir o funcionário da recepção, continuar tomando as medidas de proteção e seguir o baile. O que ela pediu foi ajuda para pensar! Dá para entender? Eu a conheço, já tive a alegria de trabalhar com ela e sempre admirei seus pensamentos e suas ações. Rapidamente me recompus da preocupação: “Se ela não está conseguindo pensar, está complicado, vamos lá!”. Como o pedido foi da noite para o dia (mesmo, a reunião era para amanhã, no caso, já ontem), fui bem breve e organizativa num áudio que enviei a ela. Procurei ser rápida também, para que ela pudesse usar qualquer momento de intervalo. Final da noite ela me responde: Não consegui ouvir teu áudio. Estou dando uma atenção para a família. Pensei: Nossa, ela dá atenção para famílias no trabalho e claro, também para a sua. Nunca tinha percebido essa sutileza. Mas o que aconteceu a partir do momento em que ela escutou o áudio foi incrível. Eu juro. O que eu fiz foi muito simples e fiz apenas com uma intenção de organizar um eixo de intervenção e pontuar os aspectos que me pareciam relevantes. Ela me retornou às 9h do outro dia, a reunião prevista para às 13h. “Consegui ouvir o áudio... me emocionei. Fechei os olhos e me vi lá onde trabalhávamos, fazendo uma conversa contigo. Nossa, viajei. Eu amei tudo que disseste, e acho que é bem isso... O que eu pensei para hoje: (...)” E me enviou um planejamento lindo, pontual, necessário, potente e produtivo. Ela só precisava de ajuda para pensar. Emocionar-se e ter tido a sensação de ser acolhida a fez conseguir lidar com a situação. Encontrar referências emocionais de uma relação liberou-a. Não era o que eu intencionei fazer, mas foi o que mexeu. Isso significa que ela provavelmente estava com medo. Medo da coisa em si, medo de não conseguir ser ela mesma, essa que normalmente consegue, cria, é alegre, leve, que quando não consegue é capaz de se perdoar e seguir caminhando, só que agora qualquer equívoco pode parecer uma coisa muito maior. Medo de levar contaminação para casa. Medo da subnotificação, pois de agora em diante só são notificados os casos graves, medo por si e por seus colegas. Medo técnico, prático, profissional, pessoal, social. E tudo isso deve gerar medo mesmo. O medo é o maior aliado dela. Nossas emoções são nossas aliadas para nos proteger. De posse das nossas consciências lidamos com elas e transformamos medo em cuidado, paralisia em um passo, depois dois... Não trato aqui de uma ode ao medo, apenas vamos permitir que ele se expresse, pois sem isso adoecemos e isso acontece por nos vermos sozinhos, por não ter com quem compartilhar. Confesso que pensei duas vezes antes de escrever sobre os itens que pressupus serem fonte de medo desta profissional. Isso porque eu poderia estar gerando medo em quem não está com medo destas coisas, mas não podemos ter medo do medo. Isso seria demais, esse é o problema do medo. A parte boa dele é: 1) o conhecermos; 2) tomarmos medidas para evitar o que é fonte de medo; 3) após nos sentirmos bem, ajudarmos quem talvez não esteja conseguindo lidar, ou de fato tenha que encarar os riscos diariamente e ser mais forte que eles. Por isso, e mais uma vez: ADOTE UM PROFISSIONAL DA PONTA. Sua atenção em qualquer medida é importante.

Klayne Abreu

Terapeuta


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